O Palacete Burmester


Na zona do Campo Alegre, nos finais do século XVIII, destacava-se a Quinta Grande, propriedade que seria adquirida em 1802 pelo médico francês Jean Pierre Salabert, e que, por isso, passou a ser conhecida como a Quinta do Salabert. Esta enorme quinta seria retalhada em várias propriedades, dando origem, entre outras, à Casa Andresen (hoje Galeria da Biodiversidade), ao Palacete Burmester (hoje Casa dos Livros, Centro de Estudos da Cultura em Portugal) e à Casa do Conselheiro Pedro Maria da Fonseca Araújo, depois adquirida por Primo Monteiro Madeira e, por isso, conhecida como a Casa de Primo Madeira (hoje Círculo Universitário do Porto).
Nos derradeiros anos do século XIX, o n.º 621 da rua do Campo Alegre correspondia essencialmente a um campo de terra lavradia, denominado “Campo Alegre”, foreiro no domínio direto ao Priorado de Cedofeita. O terreno, a casa do caseiro, o poço de água com engenho, …, tudo pertencia a Eduardo Alves da Cunha e a Ana Luísa Marques de Oliveira Cunha, proprietários, residentes na rua de Cedofeita e, amiúde, na sua quinta em Santo Tirso[1].

Em 1896, outro casal demonstrou interesse por esta propriedade, adquirindo-a, a 11 de maio, pela quantia de dois contos de réis[2]. Ele, Gustav Adolf Burmester (1852-1940), nascido no Porto, filho de Johann Wilhelm Burmester e Nanny Burmester, negociante e gestor da empresa J. W. Burmester. Ela, Maria Henriqueta Leite Guedes (1864-1946), nascida em Presegueda (Peso da Régua), filha de Ana Filomena Leite Guedes e Henrique Pereira de Souza Guedes, Juiz Desembargador do Tribunal do Peso da Régua, proprietário de uma quinta produtora de vinho do Porto, político monárquico e Par do Reino[3].
Gustav Adolf Burmester (1852-1940)
Um ano mais tarde, em 5 de março de 1897, a Câmara Municipal do Porto concedeu-lhes licença de construção de uma casa de habitação[4]. Construída sob o risco do engenheiro José Estevão Parada e Silva Leitão e executada pelo mestre-de-obras Manuel Francisco Ferreira, enquadra-se arquitetonicamente «numa escola Beaux-Arts francesa» em voga no Porto do século XIX. Partilha, assim, características com vários edifícios portuenses tardo-oitocentistas, mas distingue-se da maioria por um «carácter mais fechado», ocultando-se dos transeuntes por «altos e cerrados muros de vedação»[5].
A morte dos encomendadores do imóvel, nos anos 40 do século XX, abriu caminho às profundas mutações na existência desta casa, ocorridas sobretudo nos anos 50, tanto no que se refere à posse (da família Burmester para o Estado, do Estado para a Universidade do Porto) como aos fins deste espaço[6]. Todavia, estas transformações em pouco, ou nada, macularam a beleza, o encanto, o charme, o valor patrimonial deste espaço e, em 3 de fevereiro de 2006, o edifício foi proposto como imóvel de interesse patrimonial pela Carta de Património do PDM do Porto[7].
Um novo modelo de preservação e divulgação de espólios pessoais – baseado, especialmente, na defesa da integridade dos acervos – esteve na génese da recente requalificação deste espaço, uma intervenção da responsabilidade dos Arquitetos Alexandre Alves Costa e Sérgio Fernandez (do Atelier 15, Arquitectura, Ldª.). A antiga casa de família, que acolheu a Faculdade de Letras da Universidade do Porto aquando da sua refundação em 1961, transforma-se agora em centro da cultura portuguesa.
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[1] «Venda que fazem os Excellentissimos Eduardo Alves da Cunha e esposa a Gustav Adolph Burmester aos 11 de Maio de 1896», f. 1-1v. [Em linha]. [Consult. 3-02-2022]. Disponível em: https://sigarra.up.pt/up/pt/web_gessi_docs.download_file?p_name=F1782151902/Escritura_Venda.pdf.
[2] Idem, ibidem, f. 2v.
[3] AHMP – [Assento de casamento de Gustavo Adolph Burmester e Maria Henriqueta Leite Guedes], cota: TG-a/654, f. 6v-7v; GRAÇA, Manuel de Sampayo Pimentel Azevedo – Construções de elite no Porto (1805-1906), Volume I (texto). Porto: [Ed. Autor], 2004, p. 156-157.
[4] [Licença N.º 81]. [Em linha]. [Consult. 3-02-2022]. Disponível em: https://sigarra.up.pt/up/pt/web_gessi_docs.download_file?p_name=F938504177/Licenca_construcao_casa_5_Marco_1897.pdf.
[5] GRAÇA, Manuel de Sampayo Pimentel Azevedo – ob. cit, Volume I (texto), p. 156 e 159. Para uma descrição mais detalhada e técnica da arquitetura do edifício, ver: Idem, ibidem, Volume II (catálogo analítico), p. 566-585.
[6] U.Porto – Edifícios com história: Casa Burmester. [Em linha]. [Consult. 3-02-2022]. Disponível em: https://sigarra.up.pt/up/pt/web_base.gera_pagina?p_pagina=casa%20burmester.
[7] Casa Burmester. [Em linha]. [Consult. 1-02-2022]. http://www.monumentos.gov.pt/site/app_pagesuser/SIPA.aspx?id=5412