Assim, em homenagem ao autor deste legado fundacional e ao seu contexto original, o Conselho Executivo da FLUP decidiu atribuir o nome “Casa dos Livros” a este centro de cultura, recuperando e ressignificando a designação que Vasco Graça Moura dera ao seu espaço de trabalho e criação, na propriedade rural Eira do Catavento (concelho de Almeirim).
Enquanto serviço técnico especializado, este Centro de Estudos tem como responsável um Professor, nomeado pelo Diretor da FLUP e, em todas as matérias de ordem técnica, reporta diretamente ao Serviço de Documentação e Informação.
“Este acordo com a Faculdade de Letras da Universidade do Porto, para nós, representa a forma mais adequada de preservar a memória do nosso pai…”
– Vasco Graça Moura (filho)
Missão
Apoiar, em articulação com as unidades de investigação da FLUP, o estudo e a divulgação dos legados, estimulando perspetivas multidisciplinares e evidenciando a relevância cultural dos autores e dos seus textos, tanto no plano nacional como internacional;
Promover atividades de acesso e comunicação amplos e valorização dos acervos à sua guarda, nomeadamente, através de exposições, cursos livres, tertúlias, visitas guiadas e outras atividades que potenciem a dimensão cultural dos mesmos e, em geral, da literatura portuguesa;
Apoiar iniciativas de colaboração com outras entidades da cidade e da região que promovam a literatura portuguesa no quadro multifacetado da Cultura em Portugal;
Acolher nacionais e estrangeiros que pretendam conhecer os acervos e as múltiplas dimensões da Cultura em Portugal que a “Casa dos Livros” promove.
A valorização dos acervos passa necessariamente pela preservação da unidade e integridade dos conjuntos documentais que representam identidades específicas e pelo seu tratamento sistémico com vista à abertura e disponibilização a investigadores nacionais e estrangeiros e ao público em geral.
Cumprindo a própria missão da FLUP nos domínios da investigação, do ensino e da ligação ao exterior, este Centro apoiará o estudo multifacetado e interdisciplinar, promotor de novas leituras de obras, de correntes do pensamento, de ideias literárias e artísticas de autores e intelectuais portugueses, não deixando de pôr em evidência as suas relações internacionais e influências várias.
Importa salientar como elemento identitário e distintivo deste novo equipamento cultural, o facto de privilegiar a receção e preservação de acervos integrais, cujo estudo permitirá conhecer os contextos de vida e criação intelectual dos seus produtores, em toda a sua complexidade sistémica. Isto significa que livros, revistas, cartas, memórias, relatórios, desenhos, pinturas, esculturas, móveis, etc. são documentos muito díspares entre si, mas que possuem a uni-los alguns denominadores comuns – pertenceram ou foram produzidos por determinadas pessoas, sendo por elas usados nos respetivos contextos em que decorreu a sua vida. E esta diversidade documental unificada pelo contexto pessoal (ou mesmo familiar) e a ação dos seus autores insere-se perfeitamente na unidade sistémica que a envolve e lhe confere pleno sentido.
Acervos
A criação do Centro de Estudos da Cultura em Portugal da Universidade do Porto radica no legado de Vasco Graça Moura[Porto, 1942 – Lisboa, 2014], cujo acervo integral (livros, revistas, manuscritos, documentação em múltiplos suportes e objetos), originário da sua “Casa dos Livros”, foi entregue à FLUP pelos seus filhos, em regime de comodato.
- Poeta e pintor, irmão de José Régio e elemento destacado da presença -
Acervo composto por manuscritos e outros materiais relacionados com a edição dos seus livros de poesia.Consulta mediante autorização.
- Poeta, ensaísta e escritora, Professora da FLUP e investigadora do ILC -
Acervo composto pelas suas obras, pela sua biblioteca pessoal e pelo arquivo. Em tratamento técnico.
- Médico, Filólogo e Gramático -
Acervo constituído pela Biblioteca de António Cortesão, pai de Jaime Cortesão.Consulte aqui a Biblioteca António Cortesão.Em tratamento técnico.
- Pintor e Professor da Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto -
Biblioteca pessoal depositada pela Família, em regime de comodato. Em tratamento técnico.
- Filósofo, Poeta e Professor da Faculdade de Letras da Universidade do Porto -
Manuscritos e materiais diversos, inéditos e publicados. Em tratamento técnico.
Edifício
O Palacete Burmester
Na zona do Campo Alegre, nos finais do século XVIII, destacava-se a Quinta Grande, propriedade que seria adquirida em 1802 pelo médico francês Jean Pierre Salabert, e que, por isso, passou a ser conhecida como a Quinta do Salabert. Esta enorme quinta seria retalhada em várias propriedades, dando origem, entre outras, à Casa Andresen (hoje Galeria da Biodiversidade), ao Palacete Burmester (hoje Casa dos Livros, Centro de Estudos da Cultura em Portugal) e à Casa do Conselheiro Pedro Maria da Fonseca Araújo, depois adquirida por Primo Monteiro Madeira e, por isso, conhecida como a Casa de Primo Madeira (hoje Círculo Universitário do Porto).
Nos derradeiros anos do século XIX, o n.º 621 da rua do Campo Alegre correspondia essencialmente a um campo de terra lavradia, denominado “Campo Alegre”, foreiro no domínio direto ao Priorado de Cedofeita. O terreno, a casa do caseiro, o poço de água com engenho, …, tudo pertencia a Eduardo Alves da Cunha e a Ana Luísa Marques de Oliveira Cunha, proprietários, residentes na rua de Cedofeita e, amiúde, na sua quinta em Santo Tirso[1].
Em 1896, outro casal demonstrou interesse por esta propriedade, adquirindo-a, a 11 de maio, pela quantia de dois contos de réis[2]. Ele, Gustav Adolf Burmester (1852-1940), nascido no Porto, filho de Johann Wilhelm Burmester e Nanny Burmester, negociante e gestor da empresa J. W. Burmester. Ela, Maria Henriqueta Leite Guedes (1864-1946), nascida em Presegueda (Peso da Régua), filha de Ana Filomena Leite Guedes e Henrique Pereira de Souza Guedes, Juiz Desembargador do Tribunal do Peso da Régua, proprietário de uma quinta produtora de vinho do Porto, político monárquico e Par do Reino[3].
Gustav Adolf Burmester (1852-1940)
Um ano mais tarde, em 5 de março de 1897, a Câmara Municipal do Porto concedeu-lhes licença de construção de uma casa de habitação[4]. Construída sob o risco do engenheiro José Estevão Parada e Silva Leitão e executada pelo mestre-de-obras Manuel Francisco Ferreira, enquadra-se arquitetonicamente «numa escola Beaux-Arts francesa» em voga no Porto do século XIX. Partilha, assim, características com vários edifícios portuenses tardo-oitocentistas, mas distingue-se da maioria por um «carácter mais fechado», ocultando-se dos transeuntes por «altos e cerrados muros de vedação»[5].
A morte dos encomendadores do imóvel, nos anos 40 do século XX, abriu caminho às profundas mutações na existência desta casa, ocorridas sobretudo nos anos 50, tanto no que se refere à posse (da família Burmester para o Estado, do Estado para a Universidade do Porto) como aos fins deste espaço[6]. Todavia, estas transformações em pouco, ou nada, macularam a beleza, o encanto, o charme, o valor patrimonial deste espaço e, em 3 de fevereiro de 2006, o edifício foi proposto como imóvel de interesse patrimonial pela Carta de Património do PDM do Porto[7].
Um novo modelo de preservação e divulgação de espólios pessoais – baseado, especialmente, na defesa da integridade dos acervos – esteve na génese da recente requalificação deste espaço, uma intervenção da responsabilidade dos Arquitetos Alexandre Alves Costa e Sérgio Fernandez (do Atelier 15, Arquitectura, Ldª.). A antiga casa de família, que acolheu a Faculdade de Letras da Universidade do Porto aquando da sua refundação em 1961, transforma-se agora em centro da cultura portuguesa.
[3] AHMP – [Assento de casamento de Gustavo Adolph Burmester e Maria Henriqueta Leite Guedes], cota: TG-a/654, f. 6v-7v; GRAÇA, Manuel de Sampayo Pimentel Azevedo – Construções de elite no Porto (1805-1906), Volume I (texto). Porto: [Ed. Autor], 2004, p. 156-157.
[5] GRAÇA, Manuel de Sampayo Pimentel Azevedo – ob. cit, Volume I (texto), p. 156 e 159. Para uma descrição mais detalhada e técnica da arquitetura do edifício, ver: Idem, ibidem, Volume II (catálogo analítico), p. 566-585.